Parar o golpe e avançar ampliando as alianças

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Por Graciela Rodriguez 15/03/2016

Brasil mudou nos últimos anos, mas não tão profundamente como se escuta falar agora. De fato, não mudou um aspecto extremamente importante, sua cultura política.
Quem o dia de hoje desavisadamente assistisse a um programa de noticias na TV ou lesse um jornal no Brasil teria a impressão de que o combate à corrupção está no centro do debate político do país. Mas esse observador desavisado estaria se enganando…
Muitas vezes as elites brasileiras, sem nenhum apego especial pela democracia, têm utilizado as denuncias de corrupção para se livrar de inimigos ou adversários políticos. Acontece agora o mesmo, ainda que com os matizes da atualidade. Trata-se de convencer aos brasileiros despolitizados de que eles estão sendo roubados. E não há nada mais fácil no Brasil que acender um pavio gritando “pega ladrão”, ai todo mundo se sentirá convocado para correr atrás. É isto o que vem acontecendo com as mobilizações promovidas pela direita, agora organizadas e comandadas desde os meios hegemônicos de comunicação, notadamente a rede Globo, claramente insuflando uma mensagem de conservadorismo e intolerância.
De outro lado, os governos Lula e Dilma deram continuidade a um estilo e formato de governança em aliança com setores da direita e do empresariado, incluindo vários acordos e pactos vergonhosos, como sempre se fez na história e cultura política do país, modelo que as elites criaram e vem sendo continuadamente reproduzido. Isto necessariamente implica em corrupção, pois ela foi e continua sendo estruturante do sistema político brasileiro, agora repaginado pelo capitalismo neoliberal.
Durante os anos desses governos, a maioria dos setores populares, aqueles que entraram no mercado pela porta do consumo, não foram convidados ao debate político nem incorporados maciçamente à cidadania. Pelo contrário, a pesar de serem incorporados ao mercado, permaneceram alheios ao processo político em si, que de alguma maneira entendem que não lhes diz à respeito, que não os incorpora efetivamente. E de fato sabem e tem sentido sempre na pele, que a corrupção é parte do sistema, por isso não saem rasgando as vestes quando alguém grita “pega ladrão”….
Só foi participe do debate a militância política dos partidos da esquerda, que de fato expressa uma parte pequena da classe trabalhadora, em particular formal e sindicalizada, (que alias fica a cada dia menor pelo avanço da informalidade, e ao mesmo tempo, vai ficando mais ligada ao próprio avanço do capitalismo do qual acaba se beneficiando). Isto também em linhas gerais permaneceu inalterado.
Por tanto a forma do embate político tem se mantido nos velhos formatos, não aconteceram mudanças importantes dessa cultura política. E isto se evidencia nos setores populares que se afastaram dessa crise política, e inclusive tem começado a mostrar sinais de cansaço com todo o alvoroço midiático.
A questão passa agora a ser o enfrentamento entre as “massas” mobilizadas pela elite e os militantes do PT sobre os quais se canaliza todo o ódio de classe sempre latente na parcela conservadora da sociedade. Qual será o tamanho da passeata de cada um?
Parte do problema é justamente que o PT, ao não contribuir para renovar a cultura política do país com a introdução via cidadania e educação das massas populares ao embate público sobre o projeto para o país, se encontra agora sem os atores que deveriam ser seus apoiadores naturais, os “mobilizáveis” para as passeatas que defendessem suas propostas.
Muitos são os temas centrais em que os governos Lula e Dilma não avançaram, como referido por Olívio Dutra em ato pacífico em Porto Alegre, “do ponto de vista do que poderíamos ter feito e não fizemos ou do que fizemos e poderíamos ter feito mais e melhor, e do que o povo brasileiro ainda precisa: não fizemos a Reforma Agrária, a reforma urbana, a reforma tributária com impostos progressivos, não fizemos a reforma política.” e a lista continua… Todos aspectos de um programa que precisa ser implementado.
Estamos vivenciando o resultado de muitos dos erros cometidos pelo governo Lula e continuados no governo Dilma. Além dos já citados, a falta de avanços na democratização da comunicação se percebe fundamental nesta hora, a falta de um enfrentamento com o Poder Judiciário, aliado a certa tendência da esquerda a judicialização da vida nos mostra os limites desse caminho. Também muitos erros que devem ser atribuídos ao próprio Lula, como definir quem seria seu sucessor. (neste caso Dilma, que tem se comportado de forma muito digna porem sem conseguir desenvolver uma liderança que nunca teve, e que agora joga contra ela – todas as saídas que se apontam desde o “clube do bolinha” do Congresso nacional e até da imprensa alternativa, nem levam ela em consideração)
E agora o discurso volta a se centrar na defesa do Lula, vítima da direita conservadora e das elites que não lhe perdoam a ousadia de governar exitosamente este país… Um Lula “vítima” do poder e da manipulação da imprensa, dos interesses empresariais e até dos poderes institucionais criados pelas mesmas elites. Ainda que verdadeira, esta é a pior opção que uma defesa do avanço da democracia precisa no país ..
O PT e as forças populares, incluindo especialmente os movimentos sociais, devem politizar o debate e não colocar ele no patamar de vitimização e personalização do nome do Lula.
Trata-se agora de disputar as bases sociais avançando no projeto de transformação. Lula, se capaz disso, tem que se jogar nas bases populares que algum dia logrou conquistar, com um projeto político de aprofundamento das mudanças econômicas e sociais, e disputar dentro das comunidades, favelas, bairros e setores populares uma proposta de país democrático, equitativo e ambientalmente justo.
O projeto desenvolvimentista, que tinha à frente os setores sindicais foi o vencedor com Lula e Dilma. Esse projeto não criou “mundos novos”.. e pelo contrário ele acabou aprofundando um desenvolvimento predador e concentrador de riquezas no topo da pirâmide, ainda que tenha distribuído na base e permitido conquistas, algumas muito importantes. Esse projeto também deixou de lado os aliados que o PT poderia ter acolhido pela base: os camponeses, os indígenas, os ribeirinhos, as feministas e os ambientalistas e muitos mais… todos atores “de segunda” para estes governos, mas que finalmente estão pagando a conta desenvolvimentista pelos impactos nos territórios desse modelo predador. Estes são os sujeitos sociais de um novo projeto plural, equitativo, ambientalmente justo, democrático.. Está na hora de avançar com um novo projeto político que promova a vida, que afinal de contas o modelo desenvolvimentista está condenando. Será que somos capazes de alavancar esse processo?
Se Lula e o PT sobretudo não forem capazes disto,(o que não parece ser o caminho assumido no último ano), se não forem capazes de assumir e formular uma proposta política superadora do modelo concentrador e predatório, que de fato já vem amadurecendo nos diversos movimentos sociais, numa perspectiva realmente nova e ampla que inclua mulheres, ambientalistas, camponeses, indígenas, ribeirinhos, comunidade LGBT, e outros, o processo dos últimos anos será historia e estará encerrado de forma melancólica e\ou dramática. Pela tônica dos últimos discursos de Lula – que apelam para a exposição do seu legítimo sentimento de ofendido e inconformado pelas calunias e injurias recebidas – aparentemente se manterá essa linha de vitimização, e ao mesmo tempo, de políticas conciliatórias. Isto poderá ser em médio prazo uma tragédia para o processo de democratização que o Brasil vem vivenciando nas últimas décadas…
Contar como sucesso que não tinha pobres na manifestação de domingo não é razoável. Problema é que eles possivelmente também não estarão em grande número na próxima manifestação organizada pelo PT e as forças democráticas – que não os estão chamando nem disputando… O bom seria que eles fossem convocados e estivessem no dia 18… Que as manifestações se multiplicassem nas comunidades, nos bairros populares, nas rodoviárias e nas cidades do chamado Brasil profundo… As forças políticas progressistas deste país estão dispostas a dar esse passo? ou ficaremos só fazendo balanço e contabilizando o número de pessoas que saíram da pobreza? (ou pior ainda, lamentando o que não foi feito …)
É urgente chamar amplamente à defesa da Democracia e buscar ampliar o leque dos atores e atrizes sociais das transformações!!!

Imagem: Manifestantes em Ato pela Democracia no Rio de Janeiro, 18/03/2016

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